"Todo homem tem três personalidades: a que exibe, a que possui e a que julga possuir." (Alphonse Karr)
William Delbury saiu do The Cat of the Red Painted Tail Pub, por volta das 23:00h. Cambaleava entre um e outro passo.
- Diabo! Exclamou ele, ao tropeçar na sarjeta, quando dobrou a esquina da Lancaster Road com a Melborne Street, onde dois quarteirões acima morava em um quarto e sala alugado.
Sempre recorria àquela expressão quando, sob os efeitos da cerveja do The Cat, dobrava aquela esquina, cujo desnível o fazia tropeçar.
- Diabo! Era de novo William ao tentar acertar a fechadura do seu apartamento na Ambrose House.
- Diabo! William não conseguia acender a calefação para que pudesse dormir naquela noite fria de Londres.
A palavra diabo se fazia presente em quase todas as frases de William. Tornara-se para ele uma interjeição em todas as ocasiões.
Só mudavam os tons que as circunstâncias exigiam, mas fosse por alegria ou tristeza, pesar ou contentamento, indignação ou júbilo, lá estava a palavra a sair-lhe da boca.
O dia seguinte amanheceu ansioso. A noite de Londres seria alegre: era a ante véspera do natal.
William vestiu sua melhor roupa, colocou as polainas no sapato e rumou para a Hyde Central Road, onde morava a dona do seu coração: Gweneviere Stantson, uma bela jovem, cuja família houvera chegado, há dois anos, em Londres, vinda de Stratford-on-Avon.
William conheceu a Senhorita Stantson através da tia da mesma, que era sua colega de trabalho na biblioteca da Scotish Public Secondary School.
Naquela noite eles faziam dois anos de namoro. William pretendia pedi-la em casamento assim que conseguisse uma promoção, já garantida pelo conselho da escola.
Após as compras, e de ter deixado a Senhorita Stantson em casa, William passou no The Cat.
O mesmo caminho de volta, o mesmo tropeço na sarjeta da Lancaster com a Melborne, os mesmos diabos de sempre.
- Diabo! William queimara os dedos ao tentar aumentar a calefação do quarto.
Não conseguindo manejar o velho aquecedor, resolveu ir dormir na sala, onde o aparelho funcionava melhor.
Parou assustado ao chegar na sala e deparar com um cavalheiro que estava sentado na poltrona que ficava ao lado da janela.
O cavalheiro, quando o viu, levantou-se. William, ainda assustado, entre correr e avançar para o intruso, notou, pela penumbra da iluminação da rua, um cavalheiro bem apessoado, traços finos, trajando um terno bem talhado e que lhe caia perfeitamente em um corpo esbelto e retilíneo.
Uma bengala de finíssimo cedro, cravejada com marfim e brilhantes, apoiava-se entre o chão do apartamento e a mão direita do estranho cavalheiro.
Na outra mão, o cavalheiro segurava, elegantemente, a cartola, que tirou da cabeça ao levantar-se.
- Quem é você? Como entrou aqui?
- Você me chamou, William. Respondeu o cavalheiro com uma voz serena, mas impávida.
- Eu não chamei ninguém! O que deseja?
- Sim, William, você me chamou. Você sempre me chama. Você me tem chamado por toda a sua vida, todos os dias. Resolvi, hoje, atender o seu chamado. Estou a sua disposição. O que deseja?
Um frio passou na espinha de William. Poderia ser o que ele estava pensando, ou aquilo não passava de uma brincadeira dos amigos do The Cat?
- Não me diga que quer dizer que é o Diabo? Retrucou William, mais para ele mesmo que para o seu visitante, com um sorriso incrédulo e ao mesmo tempo nervoso.
- Sim, William, não sou uma brincadeira dos seus amigos do The Cat. Sou o diabo, a quem você sempre chama.
- Mas o diabo não deveria ter um enorme rabo, chifres, patas de bode e a minha sala não deveria estar impregnada do seu terrível cheiro de enxofre? (William ainda preferia acreditar que tudo não passava de uma brincadeira)
- Meu caro William Delbury, o diabo se pode apresentar de diversas formas, e estar nos mais insuspeitos lugares. Você pode encontrá-lo no The Cat, em uma esquina escura, nos púlpitos até...
- Como poderia me provar que é o que diz?
- Custa caro me colocar à prova, Senhor Delbury...
- Pois eu quero pagar o preço! Vamos prove!
- Insisto que não me deveria por à prova, Senhor Delbury...
- Você é uma farsa! Vamos, prove!
- Está bem. Depois de amanhã, na noite de natal, você terá uma surpresa, William. Verá que eu sou quem digo ser, e pagará o preço que se propõe, por duvidar.
O cavalheiro vestiu a cartola, agasalhou a bengala embaixo do braço e estendeu a mão em despedida.
William sentiu uma mão fina e macia, mas firme, apertar as suas.
- Estamos acordados então?
- Sim, claro. Depois de amanhã. Respondeu William.
- Depois de amanhã, Senhor Delbury.
William acompanhou, por detrás da cortina da janela, o cavalheiro se afastando em direção à Lancaster Road. De repente, pareceu-lhe que o cavalheiro se envolveu com a bruma densa da noite londrina e desapareceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário