Capítulo II

Shot018"Posso acreditar em tudo, desde que seja incrível." (Oscar Wilde)

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William estava atrasado para a ceia que teria na casa dos Stantson: os carros sempre passavam lotados.

Ele houvera marcado pegar a Senhorita Stantson na casa da tia, onde esta passara o dia, para irem todos juntos.

A Sandbury Street, no centro de Londres, era uma rua larga e de muito movimento. Os tílbures passavam frenéticos, de um lado para outro.

Do outro lado da rua, William avistou a Senhorita Stantson e a sua tia a acenar-lhe que esperasse que elas atravessassem para onde ele estava, onde seria mais fácil pegar um tílburi para a Hyde Central Road.

William esperou. As duas avançaram. William olhou e gritou para que parassem: um enorme ônibus público, puxado por seis cavalos, cortava dois tílburis e teve que sair da direção em que ia, devido a um outro tílburi que vinha em sentido contrário, e não percebeu a manobra.

Gritos foram ouvidos. O ônibus parou mais à frente e todos desceram alarmados. William correu, trêmulo, e foi afastando a multidão que se empurrava.

Ao chegar ao centro, um corpo ensangüentado jazia no chão frio da Sandbury Street. Ao lado do corpo uma mulher gritava desesperada: era a tia da Senhorita Stantson, que alucinava com o atropelamento da jovem sobrinha.

William sentiu o mundo faltar-lhe aos pés. Os gritos lancinantes que soltava partiam o coração de quem se detinha para ver a tragédia: as patas dos cavalos e as rodas do ônibus haviam dilacerado o delicado e jovem corpo da Senhorita Stantson.

William a tomou nos braços. Pranteava ao mundo a perda da sua amada, quando, de repente, ao procurar na multidão arrego para a sua dor, seu coração foi esmagado por garras afiadas, em um sentimento que era maior que a dor que sentia: grave e impávido, com a mesma serenidade que se apresentara naquela noite, aquele estranho e elegante cavalheiro o fitava com um olhar penetrante, em um rosto desprovido de expressão, como se fora esculpido em pedra.

Após o funeral, William passou dois dias sem sair do apartamento. Não conseguia esquecer aquele cavalheiro e passou a acreditar que aquilo não passara de uma coincidência.

Evitou falar do caso com seus amigos. No quinto dia voltou ao trabalho. Era um homem triste e acabrunhado.

Na volta não passou no The Cat. Foi direto para casa. Ao entrar na sala, no chapeleiro em frente à porta, estava uma cartola. Logo abaixo, encostada ao batente do chapeleiro, uma bengala de fino cedro, cravejada com brilhantes.

William, quase mecanicamente, deu dois passos à frente e virou-se para a poltrona da janela. Lá estava o cavalheiro sentado, que se levantou, educadamente, ao avistá-lo.

- Maldito! Você a matou!

- Eu o avisei, William, que o preço seria alto e você se propôs a pagá-lo.

- Eu achei que era uma brincadeira, desgraçado!

- Jamais brinco, Senhor Delbury. Tenho muito trabalho a fazer, sou muito solicitado, muitas pessoas chamam por mim. Você teve a felicidade de ser atendido. Mas, William, há sempre uma compensação para tudo na vida.

- Nada no mundo poderá compensar o que perdi.

- Sr. Delbury, ao tempo nada resiste. A dor que agora você sente não passará de lembranças, primeiro angustiantes, depois ternas. Não mais que de repente, se pegará sorrindo, com saudades, mas sem dor. Posso providenciar para que haja alguma ajuda ao tempo, William.

- O que poderia fazer para me livrar desta dor?

- As coisas podem começar a dar certo para você. Sempre que me chamava, era porque as coisas davam erradas.

- E qual o preço disto, desta vez? Você sempre fala em preços.

- Tudo deve ter um preço, William. Nada é gratuito. As coisas sempre têm causa, efeitos e conseqüências. Posso lhe fazer um homem muito rico e respeitado em todo o Império Britânico, cobrar-lhe-ei isto depois, quando eu achar que devo. Uma vez que eu cobre, você terá que pagar imediatamente, e não se preocupe, terá meios para isto, pois você será rico e poderoso. Em se recusando a pagar, eu mesmo irei lhe subtrair o valor correspondente da fortuna que terá acumulado.

- Posso fazer o que eu quiser com o dinheiro e o poder? Caridades, por exemplo?

- O dinheiro e o poder serão seus, William, poderá usá-los como quiser, e o preço que eu lhe cobrar não custará nada a sua fortuna ou ao seu poder. A não ser, é claro, que se recuse a pagar o dote que ora assina.

- Então eu aceito. Usarei tudo para o bem. Você ira se arrepender de me ter transformado em um instrumento do bem, através do seu mal.

- Eu nunca me arrependi dos meus atos, Senhor Delbury.

O cavalheiro estendeu a mão direita para William, que correspondeu com um aperto tímido.

O cavalheiro vigorou o aperto: causou espécie à William, de como uma pessoa de traços tão finos e mãos tão delicadas pudesse ter um aperto tão forte, quase dolorido, como se quisesse apertar a mão da sua própria alma.

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